sábado, 21 de novembro de 2009

O Carrilhão de Mafra - Lisboa Antiga

Um dos monumentos portugueses mais conhecidos é o Convento de Mafra (mandado construir por D. João V. entre os anos de 1717 e 1737) não só pela sua imponente arquitectura mas também pelos sons que emanam do famoso carrilhão do convento de Mafra, cujo prestígio tem sido reconhecido além fronteiras ao longo dos séculos, tendo sido já diversos carrilhadores (o m.q. carrilhanores e carrilhanistas) nacionais e estrangeiros que têm tido a honra de executar as mais diversas composições musicais no Convento de Mafra, desde os temas mais eruditos aos mais populares.
De acordo com as informações na contra capa do disco que hoje apresentamos, as enormes torres do Convento de Mafra têm 68 metros de altura, dispostas com 57 sinos em cada uma das torres, num total de 114 sinos, sendo que os sinos das grandes horas pesam cerca de 11750 kg, com um diâmetro de boca de 2,53 metros e 2,4 metros de altura. O mais conhecido sino do Convento de Mafra é o chamado “Bizarro”, por ser o de maior ressonância, que se pode ouvir a 15 km de distância (!).Na altura desta gravação (1970) os suportes dos sinos que ficavam no pavimento inferior ao das horas encontravam-se bastante danificados. Felizmente, há alguns anos atrás, obras urgentes de restauro garantiram a preservação deste verdadeiro património sonoro nacional.
Os carrilhões são tocados com os pés e mãos por teclados semelhantes aos dos pianos e cilindros análogos aos das caixas de música. Neles se executam as mais complicadas peças, estando dispostos por meio de um mecanismo especial para tocar automaticamente a todas as horas, meias horas e quartos de hora. Actualmente, Francisco Gato é o mais antigo carrilhonista português, dedicando todo o seu tempo aos sinos da Torre Sul do Convento de Mafra, sendo também o responsável por muitos concertos de carrilhão que se realizam ainda hoje naquele espaço.
Neste interessante disco “Musica de Portugal – Carrilhão de Mafra”, o carrilhanor (tal como é descrito no disco) executa não temas associados à temática litúrgica (como é mais frequente) mas antes, temas do universo popular português, aliada a duas composições originais mas não menos conhecidas pelos portugueses. Assim, no total de seis temas executados por Jacques Lannoy (carrilhonista do Convento de Mafra desde 1965 a 1984) destacámos para apresentação desde E.P. uma das mais bonitas canções portuguesas de todos os tempos da autoria de Raúl Portela, “Lisboa Antiga”, a qual tem sido também, interpretada por dezenas de fadistas, cantores de musica ligeira, não só portugueses como também estrangeiros. No entanto, parece-nos interessante apresentar aos nossos leitores uma abordagem diferente de Lisboa Antiga, através da linguagem do carrilhão. Para o ouvinte mais atento, facilmente reconhecerá ao ouvir os primeiros segundos do trecho que aqui deixamos a belíssima melodia que preenche a riqueza de Lisboa Antiga.
Como mera curiosidade, não deixa de ser interessante o facto de a construção do Convento de Mafra ter sido fruto de uma promessa de D. João V, em virtude de ao fim de 3 anos de casamento ainda não ter sido agraciado com um herdeiro. Felizmente, para nós, D. José I deu à luz um ano depois da promessa feita, facto que o levou a erguer o Convento e a comprar os carrilhões para Mafra. Caso contrário, muito provavelmente não estaríamos hoje a ouvir neste espaço os sinos do convento de Mafra a tocarem.


domingo, 15 de novembro de 2009

Deniz Cintra - Balada dos Homens e Mulheres Sentados


Falaremos hoje de Deniz Cintra, um artista, já falecido, a quem o povo português ainda não prestou a justa homenagem e que tantas vezes é esquecido, nomeadamente quando todos os anos, por altura do 25 de Abril, se trazem à memória os mesmos cantores de intervenção de sempre, os quais, como se sabe, optaram, na sua grande maioria pelo género balada, enquanto prenúncio de uma nova canção, introduzida por José Afonso. Infelizmente sobre Deniz Cintra, a informação é escassa ou nula, sabendo nós que terá gravado pelo menos mais 2 EP's, para além do que hoje apresentamos e que é irmão do actor e encenador Luís Miguel Cintra.
Felizmente, na contracapa do EP que resgatámos recentemente de uma loja de antiguidades, consta um texto de apresentação de Deniz Cintra escrito por Nuno Portas (adaptado de um depoimento publicado em “A Mosca” em 13 de Setembro de 1969), que pelo seu interesse e dada a nossa falta de informação sobre Deniz Cintra, passaremos a transcrever nos seus parágrafos essenciais:

A balada, prenúncio de uma nova geração, não tem tido as mesmas condições de expressão de outras espécies de música dita ligeira mais ou menos comercial quer pelo desconforto temático que introduz, quer pela perturbação que poderia introduzir, quando atingida dimensão popular, nos interesses organizados da indústria e no clima passivo dos espectáculos musicais. Por este motivo interessa discuti-la – não na base das duas intenções mas antes nas potencialidades de comunicação-participação, ou de outro modo, na força que contenha ou possa desenvolver para a criação de um espaço cultural de gente nova acordada - em ritmo-comum. Daí a dívida que temos pelo arranque dado por um José Afonso ou um Adriano Correia de Oliveira (...)

Na nova canção (balada será termo demasiado particular de um género demasiado revivalista) o interprete é a chave do elemento significante ao mesmo nível das palavras e do tema musical. A sua forma de cantar é já em si mesma parte decisiva da mensagem: a que nos permite perceber a autenticidade, o inconfundível. Por isso senti na força irresistível vocal do Deniz Cintra, quando o ouvi ao vivo, potencialidades para romper com a relativa passividade, talvez de ilustradores de poema, que me parece dominar na actual fase desta forma de comunicação, a que atribui uma importância cultural própria para além de uma intenção de alargamento do consumo da poesia-escrita que me parece bem secundária e mesmo esteticamente equívoca. O suporte poético usado (cantado) na nova canção não pode senão sofrer nela uma metamorfose, não pode senão ser traído, em nome de outra vontade e de outra forma e de outro tempo de comunicar. É a incessante re-descoberta da comunicação colectiva, feliz, que a todos importa.”

Fica então hoje, um pequeno relato de Deniz Cintra, conforme o texto citado anunciava, um cantor promissor na renovação da balada em Portugal, tal como Dylan e Baez o foram ao mesmo tempo, cuja voz sentida, profunda e melancólica, a espaços nos conduz ao timbre de um José Almada, outro cantor também relativamente esquecido dos portugueses.

Clique no Play para ouvir um excerto de "Balada dos Homens e Mulheres Sentados"


Deniz Cintra
Lado 1. Manuel (D. Cintra) Pobre Velho (D. Cintra)
Lado 2. Balada dos Homens e Mulheres Sentados (D. Cintra)/ Maria do Ó (D. Cintra)
Philips 431 932 PE